O texto abaixo, de autoria do mui querido amigo e recém
falecido Flávio Serrano, já andou por aqui em agosto de
1999 que acho valer a pena ler de novo
Leia e me diga se não merece ser repetido.
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De Flavio Serrano :
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O cruzamento da Rua Visconde de Pirajá com a Avenida
Henrique Dumont já levou, nos idos tempos do início deste
século, o bucólico nome de "Largo do Bar Vinte".
Por que ?
A Visconde de Pirajá era conhecida inicialmente como
"Rua Vinte de Novembro", isso desde 31-10-1917, quando
o decreto 1.165 consolidou num único ato as denominações
de todos os logradouros públicos da cidade do Rio de Janeiro.
O hoje bairro de Ipanema era a chamada "Villa Ipanema",
loteada por José Antonio Moreira Filho, o 2º Barão de Ipanema,
tendo o seu plano inicial sido aprovado pela Prefeitura em
26-4-1894, há 105 anos, portanto.
Sua mulher (a dele, óbvio) era a Dona Luísa Rudge, e havia
nascido naquela data, 20 de novembro. O Barão então colocou
essa data para denominar a principal rua do nascente bairro.
Esse tipo de homenagem ele fez ao longo do loteamento,
galardeando seus parentes e as datas natalícias da família.
A Barão da Torre, por exemplo, foi Vinte e Oito de Agosto,
data de nascimento do próprio Barão de Ipanema (28-8-1830).
Já a Visconde de Pirajá recebeu esse nome em 9-11-1922.
Portanto, apenas cinco anos após ter o nome de Vinte de
Novembro oficializado, viu suas placas serem mudadas.
Verifique que essa triste mania de trocar nomes de ruas
já existe há bem mais de um século. Algum psicanalista,
psiquiatra ou similar talvez possa nos explicar o porque
desta "característica" do homodito sapiens.
Voltando ao Largo do Bar Vinte - ele identificava um café
e bar existente naquele cruzamento, no tempo em que os
bondes da Cia. Ferro-Carril do Jardim Botânico, da linha
de Ipanema, faziam ali seu retorno, pois ainda não existia
a ponte sobre o canal do Jardim de Alá, ligando Ipanema
ao Leblon.
Estamos falando dos anos iniciais deste moribundo século XX.
Esse nome persistiu até 13-7-1955, quando então foi mudado
para "Praça Alcázar de Toledo" (decreto 12.893).
A cidade de Toledo, situada às margens do Rio Tejo, na
Espanha, foi em 711 conquistada pelos árabes e tornou-se
então um importante centro irradiador de prosperidade e
cultura.
O Alcázar de Toledo (al-qaçr = palácio, em árabe) foi construido
no reinado de Carlos I e destruido parcialmente durante a
guerra civil espanhola, sendo considerado como uma das
jóias da arquitetura histórica da Espanha.
Porque mudar um nome histórico perfeitamente identificado
ao local – Largo do Bar Vinte - para um outro, homenageando
um distante palácio no além-mar, é um desses mistérios da
administração pública carioca.
São os mesmos gênios que mudaram há pouco a Avenida
Sernambetiba para Lucio Costa, porque ele foi, entre
outras coisas, o autor do Plano da Barra da Tijuca.
Só que tem que, se você olhar o plano original do Lucio
e o que depois ver o que foi implantado lá, vai ficar sem
entender nada. E homenagem por homenagem, já existia
há muito tempo a Ponte Lúcio Costa,entre Américas e a
Praia, ali perto do Barramares.
Você até pode me convencer que a homenagem ao arquiteto
está em um bom lugar. Mas acho que vai acontecer o mesmo
que temos no Aterro do Flamengo - do Monumento dos
Pracinhas até Botafogo o nome oficial é "Parque Carlos
Lacerda" há mais de dez anos. Entretanto, não há uma
placa siquer, assim indicando. E' como o JB dizia esta
semana em correto editorial : se o novo nome não "pegar"
na boca do povo, não há decreto ou placa que resista.
A Alvorada só virou Ayrton Senna porque evidentemente
era o desejo do povo homenagear o grande campeão.
Mas a Suburbana se tornar Dom Hélder Câmara ?
A Sernambetiba virar Lúcio Costa ? Só na cabeça do prefeito
de Barcelona, digo, Rio.
Lembra das besteiras que o César Maia fez com o nome
do Tom Jobim ?
Veja o caso da Linha Amarela - é oficialmente a Auto-Estrada
Governador Carlos Lacerda. Alguem a chama assim ?
A Linha Vermelha é a Auto-Estrada Presidente João Goulart.
Essa, eu acho que nem o Conde sabe disso.
(E o Jango já é nome da antiga Estrada do Vidigal há
muito tempo).
Os casos desse teor são inúmeros. Tunel Engenheiro André
dos Santos Dias Filho e não Tunel do Pasmado. E muitos,
muitos outros.
Para nos restringirmos ao seu Leblon, quer me explicar
o porque da homenagem ao General Artigas ? José Gervásio
Artigas foi o proclamador da independência do Uruguai
no século XIX, e para manter sua terra livre dos opressores
argentinos, "lutou contra os exércitos lusos-brasileiros que
invadiram a Banda Oriental" - esta é a descrição constante
nos livros, ipsis literis, e portanto assim temos uma
homenagem a um inimigo do Brasil.
Dá para entender ?
Bem, pelo menos, você não encontrará nenhuma rua Hitler
ou Mussolini ou Solano López no guia dos CEPs do Brasil -
mas encontrará uma rua Imperador Hiroito (!) no interior
de São Paulo.
Já o Dom João VI, que deu nova personalidade, novo status
ao Brasil ao vir para cá trazendo a Corte em 1808, é tão
somente nome de uma pequena rua no bairro de Bangu,
perto da estação dos trens.
O vereador Wilson Leite Passos apresentou há tempos um
projeto que impedia, por vinte anos, qualquer mudança
de nome em logradouros públicos.
Não sei se chegou a ser aprovado.
Bem, fechando o assunto, fica uma pergunta : por que
a placa no ex-Largo do Bar Vinte diz agora "Praça Espanha" ?
Sinceramente, não sei. Quando eu tiver um tempinho,
vou dar um pulo no Piranhão, e saber do nome correto lá
nos arquivos do Serviço de Nomenclatura da Secretaria
Municipal de Urbanismo.
Espanha ou Alcázar de Toledo, that's the question.
p/t
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XXXXXXXXX rio 19 nov 2010 XXXXXXXXXX